Um estudo recente, encomendado pela plataforma Deezer e conduzido pela empresa de pesquisa Ipsos, revelou um dado surpreendente: 97% dos ouvintes não conseguem distinguir músicas criadas por IA daquelas compostas por humanos.
Realizada com 9 mil participantes de oito países — incluindo Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e França — a pesquisa propôs um teste simples, porém impactante: cada pessoa ouviu três faixas, sendo duas geradas por IA e uma criada por um artista humano, e deveria apontar quais eram sintéticas.
O resultado? Uma esmagadora maioria errou. Para muitos, esse tipo de música é praticamente indistinguível da criação humana — algo que levanta questões profundas sobre autenticidade, direito autoral e a própria percepção do que é “arte”.
Reação dos Ouvintes: Inquietação e Surpresa
Além do resultado do teste, a pesquisa capturou reações emocionais significativas. Cerca de 71% dos entrevistados admitiram ter ficado surpresos com sua própria incapacidade de discernir entre uma canção de IA e uma feita por humanos.
Mais da metade (52%) relatou uma sensação de desconforto após descobrir que não conseguia identificar a origem das músicas.
Esses números revelam não apenas uma falha de percepção, mas também uma crise de confiança: as pessoas começam a se perguntar se sua própria escuta pode ser enganada, e isso tem implicações profundas para a relação entre consumidor e arte.
O Crescimento Acelerado da Música Gerada por IA
A pesquisa da Deezer também destaca a rápida expansão de faixas totalmente geradas por IA nas plataformas de streaming. De acordo com a empresa, mais de 50 mil músicas sintéticas são enviadas diariamente, o que equivale a cerca de um terço de todo o conteúdo novo na plataforma.
Esse aumento é notável: em abril deste ano, apenas 18% das faixas diárias eram criadas por IA. Em poucos meses, esse número quase dobrou.

Medidas da Deezer: Transparência e Proteção
Em resposta a essa avalanche de conteúdo, a Deezer adotou medidas para tornar a criação sintética mais transparente para seus usuários. Primeiro, passou a etiquetar explicitamente as faixas 100% geradas por IA, para que os ouvintes saibam o que estão escutando.
Além disso, a plataforma retirou músicas de IA de suas playlists editoriais e das recomendações automáticas, buscando evitar que essas faixas “diluam” os royalties destinados a artistas humanos.
Alexis Lanternier, CEO da Deezer, justificou a estratégia com uma defesa clara: a plataforma acredita que a criatividade nasce dos seres humanos e que essa fonte deve ser protegida.
Preocupações Éticas e Econômicas
Os resultados do estudo acendem um alerta no setor musical. Muitos ouvintes demonstraram preocupação com a forma como a IA pode impactar o ecossistema criativo. Por exemplo:
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65% acreditam que não deveria ser permitido usar material protegido por direitos autorais para treinar modelos de IA.
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70% temem que a música totalmente gerada por IA ameace a subsistência de músicos e compositores.
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Quase três quartos dos participantes (73%) defendem que essas músicas sejam claramente identificadas para o público.
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Além disso, mais da metade (52%) acha que faixas de IA não deveriam competir diretamente nas paradas musicais junto com músicas feitas por humanos.
Essa combinação de fatores aponta para um cenário de tensão: a tecnologia avança rapidamente, mas a regulamentação, os modelos de remuneração e os filtros morais ainda não acompanham o ritmo.
Fraude e Monetização: Um Jogo Duplo
Outro ponto relevante mencionado no estudo é a questão da fraude. A Deezer identificou que até 70% dos streams de músicas geradas por IA podem ser fraudulentos — ou seja, não estão sendo tocados por ouvintes reais, mas por bots programados para inflar números e gerar receita de forma ilícita.
Para combater isso, a plataforma tem excluído esses “falsos streams” do cálculo de royalties, uma medida que visa proteger tanto os artistas humanos quanto a integridade do sistema de pagamento musical.
Apesar das dificuldades, a Deezer vê isso como um passo importante para construir um modelo sustentável de convivência entre música gerada por IA e música “tradicional”.
O Olhar da Indústria Musical
A expansão da música sintética tem provocado debates acalorados na indústria. Alguns artistas e produtores temem pela diluição da originalidade e do valor humano, enquanto outros enxergam nas IAs uma ferramenta para democratizar a criação musical.
Por um lado, a preocupação com os royalties é real: se as faixas de IA começarem a ocupar espaços significativos nas plataformas, os pagamentos que antes seriam destinados a compositores humanos podem se fragmentar ou até enfraquecer.
Por outro, há quem defenda que a IA pode ser usada de forma ética, com modelos de remuneração diferenciados, melhores licenças e mecanismos de transparência.
A iniciativa da Deezer de rotular e filtrar é vista como um possível caminho para mitigar os riscos, mas também evidencia o quanto a indústria ainda precisa evoluir para lidar com essa nova realidade.
O que o Futuro nos Reserva
Diante desses dados, várias perguntas permanecem em aberto:
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Como regular a música gerada por IA? É possível criar leis ou políticas de streaming que garantam remuneração justa para artistas humanos sem sufocar a inovação tecnológica?
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Quais serão os critérios para rotulagem? A transparência já é aceita pela maioria, mas como definir o limite entre “IA-assistido” e “totalmente sintético”?
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A IA vai ajudar ou atrapalhar a criatividade? Embora haja receio de perda de originalidade, alguns pesquisadores apontam que a IA pode ser uma aliada na geração de ideias, acelerando processos criativos.
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Qual é o papel do usuário? Em última instância, são os ouvintes que decidem se vão abraçar a música sintética ou privilegiar a arte humana — e o poder de escolha depende de informação clara e filtros eficientes.
Conclusão
O estudo da Deezer e da Ipsos lança um alerta potente: a inteligência artificial está criando música com tanta fidelidade que quase ninguém percebe a diferença. No entanto, esse avanço vem acompanhado por uma série de desafios, desde a ética na remuneração até o risco de fraude em larga escala.
Daqui para frente, será fundamental estabelecer diretrizes que equilibrem inovação e justiça. E, mais do que nunca, os usuários terão um papel decisivo — não apenas como consumidores, mas como vozes que exigem transparência, autenticidade e respeito pela criatividade humana.
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