A emblemática atriz, cantora e ativista Zezé Motta celebra 60 anos de carreira com o espetáculo solo “Vou Fazer de Mim um Mundo”, que desembarca em São Paulo no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB SP) entre os dias 17 de outubro e 30 de novembro. Após temporadas bem recebidas em Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a montagem ganha nova vida na capital paulista, reafirmando não só uma trajetória artística intensa, mas também um compromisso com discursos de identidade, ancestralidade e resistência.
Inspirada no clássico “I Know Why the Caged Bird Sings”, de Maya Angelou (primeira mulher negra a dirigir e roteirizar em Hollywood), a peça foi adaptada e dirigida por Elissandro de Aquino. Na montagem, Zezé Motta transita entre poesia, denúncia e música, construindo um diálogo sensível e potente com sua própria história e com a narrativa coletiva da cultura negra brasileira.
Um espetáculo simbólico e intimista
O espetáculo adota um cenário intimista, concebido pelo cenógrafo Claudio Partes, que evoca uma plantação de algodão e um livro monumental, do qual brotam palavras como se fossem sementes de memória. A ambientação reforça a conexão entre passado e presente, sofrimento e afirmação.
A iluminação, assinada por Aurélio de Simoni, e o figurino de Margo Margot — com predominância de tons amarelos, remetendo a Oxum — acentuam a carga simbólica da montagem. Já a trilha sonora ao vivo, sob direção de Pedro Leal David, mescla referências do blues que dialogam com Maya Angelou e sonoridades brasileiras: repertório que remete a Dorival Caymmi, Luiz Melodia, Milton Nascimento e Seu Jorge.
Dessa forma, o espetáculo vai além de uma simples retrospectiva biográfica: ele se posiciona como ato de celebração e reconhecimento, revisitando memórias pessoais e coletivas através da voz de uma artista que construiu pontes entre arte, ativismo e cultura popular.
Temática e repertório: memória, ancestralidade e liberdade
“Vou Fazer de Mim um Mundo” reflete sobre tempo, raça, gênero e memória. Zezé Motta, cofundadora do Movimento Negro Unificado, traz à cena reflexões sensíveis e urgentes acerca da condição negra no Brasil e no mundo. Ao revisitar sua trajetória, ela destaca – com inteligência e emoção – os caminhos de resistência pelos quais passou, bem como os espaços de afirmação conquistados ao longo das décadas.
O espetáculo trabalha com fragmentos poéticos, depoimentos íntimos e músicas que compõem um repertório híbrido, capaz de abarcar tradição e contemporaneidade. A escolha de repertório dialoga com as múltiplas facetas da artista — não apenas como intérprete, mas também como símbolo de visibilidade negra em ambientes historicamente excludentes.
Programação, ingressos e acessibilidade
A temporada paulista será realizada de 17 de outubro a 30 de novembro, no CCBB São Paulo, localizado na Rua Álvares Penteado, 112, Centro Histórico. As sessões acontecem às sextas-feiras, às 19h, e aos sábados e domingos, às 17h.
Os ingressos custam R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia entrada). Vale destacar que haverá sessões com Libras, audiodescrição (em 1º de novembro) e um bate-papo com a atriz, previsto para o dia 8 de novembro. Essas iniciativas ampliam o caráter inclusivo da produção, garantindo fruição mais ampla ao público.
Importância artística e simbólica
Esta temporada paulista representa mais do que um momento comemorativo: é uma reafirmação pública da trajetória de uma das personalidades mais influentes da cultura brasileira — cujo trabalho atravessa teatro, cinema, televisão e engajamento social. Ao escolher trazer o espetáculo para São Paulo, amplia-se o alcance de uma narrativa que dialoga com plateias urbanas diversas, fomentando reflexão e reconhecimento.
Ademais, “Vou Fazer de Mim um Mundo” posiciona Zezé Motta como interlocutora ativa da história cultural negra no Brasil. Ao revisitar sua própria trajetória artística sob a lente da memória e da resistência, ela convida o público a refletir sobre os muitos mundos que compõem a construção de identidades plurais.
Em um momento histórico no qual debates sobre raça, representatividade e memória ganham terreno no diálogo público, esta temporada no CCBB SP assume caráter de evento cultural e político. Mais ainda: serve como inspiração para novas gerações de artistas negras e agentes culturais que seguem trilhando caminhos muitas vezes adversos.
Expectativas e legado
Desde a dramaturgia até a concepção estética — cenário, luz, som e figurino —, “Vou Fazer de Mim um Mundo” aposta na singularidade existencial como forma de universalização. Espera-se que a plateia paulista, ao longo das semanas de exibição, possa tanto se emocionar com relatos pessoais quanto se reconhecer e engajar em reflexões mais amplas.
Mais do que mera celebração individual, a montagem representa o legado vivo de uma carreira multifacetada, marcada pela ousadia e pela coragem de ocupar espaços. Nesse sentido, a temporada no CCBB SP será uma feliz oportunidade de homenagear não só Zezé Motta, mas todo o patrimônio cultural afro-brasileiro que ela simboliza.
Para quem aprecia teatro de relevância social e estética sólida, “Vou Fazer de Mim um Mundo” promete ser uma experiência memorável — não somente celebrando 60 anos de trajetória, mas afirmando caminhos e inspirando futuros encontros entre arte, memória e transformação.